Calçados para trilha

Hoje fui andar pela cidade enquanto esperava a biblioteca abrir, minha atual única fonte de internet! E fiquei toda feliz olhando para minha bota nova de neve, surpresa de não estar sentindo nenhum frio, embora estivesse de legging e com apenas uma blusa em baixo do casacão. No meio do passeio, entre terrenos lindos, com casinhas fofíssimas de um lado e o rio Segre, com o parque olímpico de remo do outro, resolvi escrever um pouco sobre vestimenta para trilhas no frio. Prometo que no próximo escrevo sobre o Parc Olimpic del Segre porque também vale a pena!

Antes de começar vale citar que por falar de roupas, calçados, etc, vou citar marcas e dar minha opinião sobre o que já usei. Não é propaganda, nunca recebemos nada por isso, pelo contrário, já gastei um bocado com esse tipo de roupa. Dado o aviso, vamos lá.

Vou começar pelo calçado, que na minha opinião é a parte mais importante para o trilheiro. Eu tive durante longos e assustadores 11 anos uma bota de trilha da Reebok, o modelo super antigo já não se encontra disponível, mas ela foi uma fiel companheira para uso eventual e descontinuado, embora intensivo. Em 2014 ela já estava mais gasta na sola que pneu de carro velho, e, embora com aspecto usado, estava em boas condições na parte superior, uma vez que eu sempre fiz manutenção, troquei o cadarço umas 3X nesses anos e alguns ilhoses também. Mas bota de trilha tem que estar com a sola em dia, a lógica é a mesma do pneu. Se as ranhuras não estiverem suficientemente profundas, você escorrega.

Troquei por uma Timberland (Chocorua Trail Mid with GORE-TEX®) que atualmente está sendo vendida por 140 euros no site da Timberland. Apesar de cara (em 2014 paguei em Brasília entre R$500-R$600) gostei muito, sempre foi muito confortável e prática e já estreei numa viagem de 15 dias de mochilão: Amsterdã – Madri – Barcelona, na qual só usei ela todos os dias. Minha experiência com essa bota foi bem diferente da anterior da Reebok, por causa do tipo de uso.

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Existem três classificações que devem ser consideradas para analisar o tipo de uso, e consequente desgaste, de um calçado: frequência, intensidade e altitude. Frequência se refere a quantas vezes por semana você usa o calçado, se for todos os dias, a frequência é alta. A intensidade diz respeito ao tipo de uso. Se por apenas 1h 0u 2h, como calçados de corrida, a intensidade é menor que os de trilha, que geralmente são usados por entre 6h a 12h em um único dia. Ainda assim, nesse exemplo ambos estão sendo usados para fins esportivos, o que exige uma intensidade alta. Caso use para trabalhar a intensidade do uso muda se você trabalha sentado ou andando, se se locomove até o trabalho a pé ou de carro, etc, quanto mais tempo de contato do calçado com o chão no seu pé e quanto maior seu esforço, maior a intensidade de uso. E a altitude é se você usa o calçado em planície ou montanha. O desgaste em montanha é bem maior.

O da Reebok, que durou 11 anos, foi usado em baixa frequência, apenas em viagens, com grande intensidade, e em altitudes variadas. O que garantiu a ele a sobrevida, além da manutenção, foi o uso eventual. O da Timberland, comprado em 2014, teve uso frequente (quase diário por 2 anos e meio), intensivo e além do dia-a-dia em planície, pegou muita montanha. Por isso já estava um tanto desgastado, inclusive na sola. Quando coloquei ele na neve, refazendo a trilha 3 (Coll Midós) com o André no meio de dezembro ele quase não aguentou. A parte frontal queimou muito, o que o deixou manchado. Culpa minha que coloquei na neve alta e fofa um calçado que não era para essa finalidade. Com isso a borracha dianteira abriu e agora e impermeabilização ficou um pouco comprometida e visualmente ele está bem velho e acabado.

Por isso fui pesquisar e comprei uma bota específica para caminhada em altitude na neve. Minha preocupação maior foi a durabilidade e a resistência, embora ela aqueça também. O uso aqui será frequente, intensivo e de montanha. No fim do inverno conto como ela se comportou. Comprei a bota de travessia Forclaz 500 Warm impermeável Quechua, disponível em preto e rosa ou azul e salmao, na Decatlhon por 54,99 euros.

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Já fiz uma trilha bem puxada com ela, e o resultado foi bom. E olha que a neve vinha até a coxa em alguns momentos. Ela parece bem bruta mesmo, e espero que seja, pra aguentar esse ritmo. No verão acho que vou ter que trocar a minha da Timberland e comprar outra.

Ainda sobre calçados, algo absolutamente fundamental para o caminhante é o fator impermeabilidade. O calçado, seja verão ou inverno, tem que ser impermeável, se o uso for intensivo. Mesmo pra quem, como eu, morou anos no cerrado e só via chuva às vezes, ainda acho que vale a pena investir na impermeabilidade do calçado de trilha. Caso você esteja na trilha e chova, ou se precisar atravessar um rio e ele for bem raso, e dê pra molhar só a ponta, tudo isso o impermeável aguenta. Caminhar com os pés (meias e parte interna do calçado) molhados é a pior opção que você pode fazer. O calçado e você perdem desempenho, o pé machuca, e você perde muito calor (o que se for inverno pode ser um erro fatal). Além disso, caminhar com o calçado molhado por dentro, além de te machucar mais, danifica o calçado mais rápido.

Existem inúmeras formas de deixar um calçado impermeável, a mais básica é utilizar borracha ou plástico por fora, como é o caso das galochas e mesmo das Melissas. Só que esse material tende a ser menos anatômico e a ter pouco agarre, assim, as botas especializadas para trilha possuem membranas com tecnologia para torná-las impermeáveis. Essas membranas atuam em 3 quesitos: transpirabilidade, impermeabilidade e corta-vento. O plástico e a borracha são impermeáveis e corta-vento, mas não permitem transpiração. Para manter os pés secos em marcha, o calçado deve permitir que a transpiração evapore, ou o pé ficará molhado com ou sem chuva depois de algumas horas de caminhada fazendo esforço na subida. E não há meia que aguente. A impermeabilidade em si é a capacidade de agua escorrer por cima sem penetrar a membrana. E o corta-vento é o poro estreito que não permite que o vento entre, embora permita que o suor saia.

O nível de impermeabilidade é medido em flexões. Geralmente se usam 3 medidas: 2000, 4000 ou 8000 flexões, que equivalem a 2h, 4h, ou 8h em marcha sob chuva intensa. O trilheiro costuma passar o dia todo em marcha, por isso eu prefiro investir em 8000 flexões embora caçados com esse nível de impermeabilidade sejam um pouco mais caros.

Existem duas marcas famosas de membranas: a Gore-TEX (que marcas famosas como a Timberland e a Salomon usam) e a Novadry (utilizada pela Quechua e produtos Decatlhon). A Gore-TEX me atendeu muito bem até hoje, e agora a Novadry tem sido excelente também. Li muitos relatos, blogs e comentários sobre elas. Há quem prefira um tipo ao outro, há quem diga que é a mesma coisa com dois nomes comerciais. A tecnologia é similar e o efeito também. Não sei ainda se a durabilidade é a mesma, mas há que se considerar a diferença de preço, que talvez compense uma mais cara por mais tempo ou dois pares mais baratos em menos tempo. Como agora, morando num clima mais temperado, vou precisar diferenciar em verão e inverno, prefiro ter dois pares com preço mais acessível e aliviar na frequência.

Também é necessário considerar o nível técnico do calçado como um todo, o número de flexões, a profundidade das ranhuras na sola, o nível de transpirabilidade e isolamento térmico. Todos esses fatores influenciam, e claro, o uso e a manutenção que cada um faz. Nunca subestime o poder da manutenção. Passar uma água por fora, nunca lavar na máquina, deixar secar bem por dentro (suor e/ou chuva) antes de usar de novo, tudo isso garante uma vida maior ao calçado.

Mesmo com toda essa tecnologia, na última trilha ainda voltamos com os pés um pouco molhados, pois a neve estava tão alta que acabou entrando entre a calça e a bota e aos poucos a água minou para dentro. O modelo de bota de neve do André (Novadry – Decatlhon também) com preço ainda mais acessível e menos níveis técnicos molhou mesmo por dentro. A minha (que segundo ele só falta fazer café) molhou só a parte superior do tornozelo, e a água não minou para dentro da bota. Ainda assim foi um pouco desconfortável na trilha de volta. Na próxima usaremos a calça impermeável para dentro da bota.

O ideal para os trilheiros e ter pelo menos 2 calçados disponíveis. Com esse tipo de uso intensivo eles arrebentam mesmo. Para viagens de 1 a 15 dias eu recomendaria levar um só, adaptado à estação do ano. Para mais do que isso eu recomendo levar 2 pares. Caso você não more próximo a uma boa loja de artigos esportivos, ou esteja em viagem, vale a pena ter no mínimo um par sobressalente. Foi o erro que cometi. Vim para La Seu com apenas a bota da Timberland, e alguns outros calçados adaptados para verão ou passeios leves em planície, ainda que na neve, como minha galocha da Hunter, adquirida na Escócia e muito popular por lá, que é ótima para uma caminhada em terreno plano, ou em charcos e pântanos, aí ela se supera!  Mas que não tem agarre e nem desenho anatômico pra montanha.

Acabamos tendo que ir até Girona para adquirir a bota de neve. Em Andorra eu poderia ter comprado outra Timberland. Mas confesso que o diferencial de preço oferecido pela Decatlhon me convenceu a ir até lá, além de ser uma ótima desculpa para viajar mais um pouco. E o valor da gasolina valeu a diferença!

Nos próximos vou comentar sobre as roupas, o sistema de três camadas e a importância de um tecido corta-vento no frio!